segunda-feira, 18 de março de 2013

Um sonho em Paris - Epílogo

  A névoa  do azul




A rua estava tão silenciosa que até a lua resolveu adormecer, então eu parei de caminhar e resolvi passar pela casa dele.  Pensei em ligar para A.C. e logo me arrependi porque eu queria acha-lo... Somente eu!
Meu coração saiu em disparada quando dobrei a esquina sabendo que mais alguns passos eu estaria ali, bem perto dele.
Estanquei e verifiquei se minha mente estava lúcida porque eu não poderia cometer mais erro algum. Respirei fundo até me acalmar e foi aí que eu percebi, na pequena janela do porão, um fio de luz que tremeluzia invadindo calçada e meus pés.
Observei rapidamente esquinas, casas, árvores, jardins... E tudo ao redor parecia mortificado.
Então, pé ante pé, me aproximei da portinhola encostando meu ouvido só pra saber ser a nossa música enchia o ambiente. Quem sabe meu coração se aquietaria e tudo ficaria igual como sempre foi... Mesmo porque eu já tinha me acostumado, e eu o amava!
Nada ouvi...
Fiquei estremecida, mas ao mesmo tempo a coragem disse ao pé do ouvido: _”bata na porta”!
Oh, a porta... Tão judiada pelo tempo, mas podia-se (ainda) ver os veios da madeira e a tinta azul descascada revelando segredos. Os nossos segredos!
Sem demora bati, mas nem foi preciso usar de força porque estava encostada. Com a maçaneta entre meus dedos eu finalmente abri, entrando cautelosamente.
O abandono e o silêncio recepcionaram-me de modo cruel enquanto eu procurava (ansiosa) por Apolinário.
Sobre a mesa o velho bule de esmalte marrom, rodeado por duas canecas de uma louça surrada e lascada. O chão estava recoberto de velhos papéis espalhados de forma brutal. Alguns rasgados, outros amassados e pisoteados. Na antiga poltrona azulada avistei seu casaco e cachecol e logo um pensamento (breve)- trouxe algum alento ao meu coração aflito achando que ele estaria por perto. Entretanto nem seu cheiro mais residia no local.
Nas paredes havia muitas folhas de papel desenhadas num rabisco desesperado a figura de uma mulher. Senti-me como num redemoinho sem fim quando me dei conta que em toda volta do porão - pelas paredes - os desenhos continuavam.
Era um rosto sutil, de formas bem delineadas. O queixo proeminente ressaltava os lábios de carmim. O nariz perfilado e pequeno evidenciava um arrebitado charmoso. Nos olhos trazia todo o desejo dos mares, em vagalhões que ia de um azul carbono até o violeta. Os cabelos estavam soltos e os cachos acobreados nas pontas, desciam sobre os seios envolvidos por um decote atrevido no entalhe perfeito das curvas, que se escondiam sob um tubinho cor de anil.
Quando desci meus olhos para enfim terminar aquela mulher fatal, vi  finalmente os sapatos. Eram azuis!  Oh céus... Nenhuma novidade para mim!
Adentrei mais a fundo naquele emaranhado de ilusões  e fui até seu armário que ficava do lado oposto à pequena janela. Abri sofregamente a porta e me deparei com um calendário todo amarelado, que exibia algumas queimaduras semelhantes à ponta de cigarros. Estava meio escuro ali, então o arranquei com alguma fúria, levando perto da lamparina e lá eu pude ver ela - Sue a mulher azul!
 Oh... Fiquei sem forças e vi que meus joelhos dobravam-se e minha visão estava ficando turva e  por um momento deixei-me cair na poltrona... Para logo em seguida, num gesto brutal, ferir aquela folha com meu olhar de adrenalina.
Olhei bem para a mulher estampada ali e ela era igualzinha ao desenho da parede. De relance percebi ser uma pinup voluptuosa de pernas bem torneadas e dedinho na boca inventando uma Marilyn Monroe.
Meu ódio atiçou-me contra a parede e eu comecei a rabisca-la e foi aí que eu vi entre tantos esboços uma figura da Torre Eiffel com todas as luzes que Paris sempre teve orgulho em exibir, entre outros cantos famosos do fascínio parisiense, e que parecia ter sido colada a pouco.
Embriagada por tanta decepção tropecei em um  manequim despido e amorfo que servia de cabide onde eu vi o sobretudo que ele tanto gostava de ostentar sentindo-se o mais francês dos homens.
Depois de todo esse tormento eu acabei achando sob a mesa um embrulho. Abaixei-me rápido e o abri furiosa...
Era somente um livro de anotações... Na primeira página lia-se:
 G. Apolinário - Professor de Francês e brasileiro de coração
Desaparecido ou possivelmente morto em busca da mulher azul...

 Larguei a caderneta e já sem forças, sentei-me no chão frio e abandonado de humanidades. Lá fora se ouvia uma sirene que foi se aproximando, se aproximando até que o luminoso no alto da ambulância iluminou meu rosto patético.
Saí na disparada. Na calçada encontrei A. C. que chorava copiosamente e quando me viu abraçou-me com pena dizendo:
_ Alline, meu amigo e teu amor foram-se, e com ele um pouco de nós...
_ Como assim A. C. pra onde ele foi? VAMOS, DIGA LOGO!
Sem proferir nenhuma palavra, seus olhos evidenciaram o fato inclinando a cabeça para a ambulância.
 Corri esbaforida...
Estendido feito um boneco de gesso, sobre a maca, vi Apolinário. Seu rosto  mesmo cadavérico exibia um sorriso de felicidade. Na mão direita tinha uma espécie de carta que eu não conseguia distinguir. Gritei  como jamais ninguém ouvira (nem eu própria)...
 Íamos nos casar...
Ao tirar a tal carta de sua mão meus olhos intolerantes leram:

PARA SUE - MEU GRANDE E ÚNICO AMOR. LEVO COMIGO O SOM DO FREVO QUE SAÍA DE TEUS SAPATOS E A CERTEZA DE QUE NO AZUL DO INFINITO TE ENCONTRAREI.

Apolinário foi encontrado morto por inanição no porão onde morava. Rodeado por seus manuscritos em língua francesa e seus livros didáticos os quais eram dedicados a seus alunos.

 

By Lu Cavichioli



Nota da Autora:

 

*Esta série tem como base a releitura de um conto de Roberto Drummond que está contida na coletânea homônima que tem por título A Morte de D. J. em Paris.

Nesta série eu retrato a história de um professor de Frances que sonha com uma mulher azul e que alimenta a possibilidade de um dia se encontrar com ela na cidade-luz

Estrelando como personagens:

G. Apolinário

 D. J. (criação de Roberto Drummond)

A. C. (amigo/irmão)

Marina (irmã de G. Apolinário)

Alline (sua noiva)

Sue ( *mulher azul)

*Termo criado por Roberto Drummond

 

 

 


13 comentários:

  1. MEUS SAIS, TO MORRIDA JUNTO COM ELE.

    COMO ASSIM?/ MEU DEUS EU AMEI. ADORO ESSES TIPOS DE FINAIS, COMO NÃO GOSTO DE ROMANCE ÓBVIO, ESTE É BEM O ESTILO QUE CURTO, QUE ESPERO QUE ACONTEÇA.

    DONA LU, DONA LU. SABIA QUE NOS SURPREENDERIA E NÃO FALTARIA NADA PARA COMPLETAR O SUSPENSE.

    E VC SABIA QUE ADIMIRO SUA CORAGEM? DE PEGAR ALGO JA EXISTENTE E TRANSFORMA LA EM OUTRA?? MTO SHOW, MEUS PARABÉNS, AMEI!

    BJBJ!

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    1. Cruzes, Patty - jura que gostou? PLOFT!
      Esse epílogo veio hoje a tarde assim meio que do nada e fui escrevendo, escrevendo e deu nisso.

      Tadinho do Apolinário, ele era mesmo um sonhador e morreu assim!

      Minina do céu, esse negócio de releitura me pegou de jeito nesse caso. Eu reli o conto e fui criando à minha maneira. Mas a idéia principal sempre será do meu afortunado e querido escritor Roberto Drummond, de onde eu derivei as minhas.

      Obrigada amore por acompanhar a série.
      bacios mil

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  2. Oi Lu
    Minha primeira vez por aqui e já vou te seguir. Adoro contos, e esse tá demais! Eu me aventuro a escrever contos as vezes kkkk, no momento estou em um, falta escrever a última parte.
    Bjos,
    http://ashistoriasdeumabipolar.blogspot.com.br/

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  3. Oi Luciana, seja super bem vinda ao Clube!
    Abraços

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  4. Pensei que ele criara uma ilusão de mulher, a quem dedicava um louco amor. Mas era real!!!!! Morreu na Cidade Luz, com a esperança de um dia estar com ela. Show, minha amiga! Bjs.

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    1. Mari, e você estava certa miga! Ele criou mesmo uma ilusão de mulher e ele NUNCA esteve em Paris!

      Morreu na ilusão de ser feliz com Sue em Paris, mas na verdade seu porão era sua Paris!

      Obrigada querida por acompanhar a série, adorei tê-la como leitora.

      bacios

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  5. AII QUE SAUDADES DE TER MAIS POR AQUI.

    AMO TUDO O QUE ESCREVE.

    NO AGUARDO.

    PASSA NO MEU CHOCOLATRA E VENHA VER MEU VÍDEO TOSCO DE 2 ANOS ATRÁZ. SE FOSSE FAZER HOJE EU TERIA VERGONHA.RSRSR

    BJS GRANDE!

    PATTY.

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  6. Maravilhoso, maravilhoso!!!! ameiiiiiiiiii

    Estou de volta, Lu querida, bem devagar, mas cheguei... enquanto aguardo a correção da minha monô.

    Veja seus e-mails, miga, te deixei lá uma linda mulher azul, produzida por mim...veja se gosta.

    Baciossss

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    1. Gracinha, consegui finalmente terminar a série... UFA! rs

      Eu realmente procurei seguir esse caminho e dar um destino digno para Apolinário, já que este personagem era atormentado e agora descansa em paz.

      Fico-lhe grata por acompanhar a série e estou ansiosa por sua análise criteriosa em termos literários. Meus sais!!!!!! rsrs

      bacios da amiga de sempre
      LU C.

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    2. Ahhh miga obrigadíssima pela criação da Sue que já figura entre o clima romantico e azulado do Clube de Paris.

      Ficou linda demais!

      bacios

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  7. Olá, Lu!

    Volto para dizer que durante o correr desta semana estarei lendo e analisando a aventura (por demais surreal)do seu querido - e atormentado - (Deus o tenha!rs) Apolinário, bem como da formosa Sue (por quem já nutria uma admiração desde o começo desta sua história!), e agora, mais ainda, vendo-a aqui, com esse ar, esse olhar de um franco e enigmático azul!!!!

    *Ficou belíssima aqui! Obrigada por gostar.
    Logo trago a análise...
    Aguarde-me!

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  8. ansiosa em plofts eu aguardo!
    bacios e não demore!

    Lu :)

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  9. Miga querida, ficou pronta minha análise.

    PLOFT.

    Espero que goste...

    Bacios!!

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